Ancestralidade, na cultura africana, é o processo divino de continuidade da vida. O culto ancestral é um dos princípios básicos no mundo tradicionalmente africano. Mas o contato diário com outras culturas faz com que, muitas vezes, essas referências se percam ou simplesmente se transformem em “coisas do passado”, sem relevância para os dias de hoje. Em busca de resgatar a memória africana e evitar que as tradições originárias do povo africano se percam, professores e afrodescendentes levam a alunos de escolas públicas do Gama a história dos antepassados, como forma de reafirmar o presente.
Eurocentrismo
As filosofias africanas e afrodescendentes são abordadas pela professora e compõem parte da nota dos alunos, que aprendem sobre o assunto por meio de leitura e apresentação de trabalho. “Descobri uma literatura que aborda a filosofia a partir de um olhar diferente do eurocentrismo. A africanidade sempre me despertou muito interesse e procuro levar o tema aos alunos como forma de conscientização, aprendizado e desconstrução de preconceitos”, cdestaca a Dalva.
Como forma de garantir o aprendizado dos alunos, a professora orienta os jovens do ensino médio a fazerem um trabalho. “Eu falo para eles lerem o capítulo do livro que eu passo. Depois da leitura eles entram em contato com um professor da UnB ligado à temática, para terem um entendimento mais amplo do assunto de gênero e de raça, depois eles apresentam esse trabalho”, explica Dalva.
Os alunos também são aconselhados a utilizar elementos lúdicos para tornar o estudo de africanidades mais atraente. “Peço para eles trazerem músicas que abordam a negritude, poemas, cinema negro, entre outros elementos que servem para ampliar o conhecimento e prender a atenção dos estudantes”, diz.
“Quando abordo esse tema em sala, quando trazemos pessoas de fora para palestrar sobre o assunto, ou até mesmo quando incentivamos os próprios estudantes a entenderem mais sobre o tema, percebemos que isso desperta interesse neles”, acrescentou Dalva.
Projetos do Madeb
Trabalhar africanidades nas escolas públicas do Gama é o foco principal do Movimento Afrodescendentes em Brasília (Madeb). Desde a criação do grupo, há 10 anos, os integrantes se preocupam em disseminar o entendimento sobre a cultura negra na comunidade do Gama. “Quando começou, nós fazíamos eventos abertos à comunidade, como a feijoada beneficente, evento no dia da consciência negra. Com o tempo, fomos desenvolvendo o projeto das escolas”, disse Vinícius Gomes, estudante de história e presidente do Madeb.
Os eventos promovidos pelo grupo são compostos por dois momentos: começa com a apresentação de personalidades brasileiras e internacionais da cultura negra, mostrando a luta e história dessas pessoas, além de ter uma apresentação de teatro. Depois do teatro, os participantes do Madeb finalizam com oficinas que duram, em média, 45 minutos. “O momento das oficinas, muitas vezes, é o mais esperado pelos alunos. A gente leva para eles atividades que fazem parte da realidade e que eles gostam, como o rap”, contou Vinícius.
O produtor musical Erasmo Magalhães, 45 anos, integrante do grupo há dois anos, traz para os jovens o samba. “Não tinha como falar de africanidade sem apresentar aos alunos uma roda de samba”, disse o músico. “Na oficina, eu levo para eles algumas letras de samba que falam sobre Zumbi dos Palmares, sobre a África, negritude e eles aprendem sobre a cultura por meio da musicalidade”, descreve Erasmo.