O movimento cultural do Gama foi muito forte e intenso nas décadas de 1980 e 1990. Mas os problemas de manutenção de espaços, que afeta todo o DF, também atingiu a cidade da periferia. Com isso, o movimento arrefeceu, mas não se perdeu. Muitos criadores remanescentes dessa época continuam atuantes. O cineasta Tistá Filintro convocou 10 artistas de três segmentos (artes plásticas, teatro e teatro de bonecos) para contar as histórias de suas vidas e de suas obras no documentário Artes e artistas do meu bemquerer.
Na verdade, Tistá pretendia reunir um número maior e conceder também um espaço mais amplo. No entanto, optou por deslanchar o projeto com os recursos disponíveis. Ele rodou o filme graças ao patrocínio do FAC (Fundo de Apoio a Cultura). Mas idealiza dar sequência ao documentário, concedendo mais tempo para os depoimentos e incorporando outros artistas: “Preciso estender o documentário para duas ou três horas”, comenta Tistá.
Os artistas que participam do documentário são: Calmir Albuquerque, Mário Salluz e Dalmácio Longuinho (artes plásticas); Marco Augusto Rezende, Domingos Rodrigo e Leda Carneiro (atores ou atrizes bonequeiros e bonequeiras); Jairo Mendonça, Edu Mazurca e Gilmar Batista (cantores). A maioria deles é remanescente das décadas de 1980 e 1990: “O Gama era tido como um centro de artes durante essas décadas”, observa Tistá. “Eles viveram aquele momento quente do Gama. A arte deles fluía inclusive para o Plano Piloto. Oswaldo Montenegro passou pelos festivais de música do Gama. Passamos por muitas dificuldades nos últimos tempos. Mas, mesmo assim, temos muitos artistas importantes. Eles continuam lutando até hoje.”
No filme, Tistá concedeu primazia aos artistas que ele qualifica como “de raízes” porque a história deles se confunde com a história do Gama: “O Gama continua sendo uma referência na arte dos bonecos. É uma tradição que não se perdeu, mesmo com todas as dificuldades para fazer cultura hoje. Nós estamos tentando retomar esse movimento. Vamos programar um festival de cultura do Gama. O filme deixa nítida a paixão de todos eles pela arte.”
Atualmente, o segmento de mais destaque no Gama é o da música. Apesar de existerem muitos artistas plásticos, eles estão pulverizados. O teatro de bonecos ainda mantém viva a tradição. Mas existe o temor da descontinuidade em razão dos problemas de produção, exposição e circulação da arte no Gama: “O que nos salva são os artistas de raízes, que não desistem nunca e continuam mantendo a chama da cultura acesa”.
Tistá calcula que o Gama tem mais de 50 artistas reconhecidos. E cita, entre outros os nomes de Fernando Fernandes (teatro), Jairo Mendonça (música), Gilmar Batista (música) e João de Fibra (artes plásticas), como destaques da arte gamense: “O João de Fibra é um artista original, é o único artista plástico que conheço que faz arte com capim. Ele será personagem do próximo filme. O que é necessário é incentivo. Quem faz cultura no Gama é com o dinheiro do bolso, na raça.”
Com o documentário Artes e artistas do meu bemquerer, Tistá pretende dar visibilidade à produção cultural do Gama. Considera que as escolas e os pontos de cultura referências essenciais para ampliar o conhecimento do público e conquistar novos simpatizantes: “Cada administração não deixa nenhum registro do que faz na área da cultura. Por isso, considero que esse filme é muito importante. Precisamos estreitar o vínculo com a educação. Só assim podemos alcançar os jovens, que precisam muito de arte para conseguir se formar em uma educação humanista”.
Entrevista// Tistá Filintro
Como começou fazer cinema?
Na verdade, sou um pouco de cada coisa, sou artista plástico, compositor e ator de teatro. Fazia teatro na boca do lixo. Frequentava a escola de arte contemporânea em São Paulo, perto da Praça da República. Procurava me entrosar com o pessoal de lá. Conversava muito com o Zé do Caixão e o Davi Cardoso, que fazia pornochancada.
E como foi a chegada ao Gama?
Cheguei em 1982 e criei a Stellar filme produções cinematográficas. Em 1993, fundei o Cenas do Bem, o nosso canal do Youtube. Produzimos 17 filmes, entre eles, um média-metragem de 26 minutos, intitulado Extinção. Falamos da falta de água em 2020 e 2030, na forma de uma ficção. Rodamos, também, o longa-metragem Uma luz em meu caminho, que narra a história de um garimpeiro, que rouba uma pedra preciosa de outro companheiro de mineração, mas fica com a consciência culpada e quer devolver para a viúva. Filmamos no presídio feminino da Papuda. Um dos personagens do filme estava preso lá por ninharia. Quisemos mostrar que por cousa de bobagens as pessoas podem perder a liberdade. A mensagem é de não trocar a nossa liberdade por uma cela na prisão.
Por que você escolheu o Gama?
O Gama é um celeiro de arte.
Você fez algum trabalho com o Afonso Brazza no Gama?
E quando eu mudei para cá, o Afonso Braza me convidou para participar com os filmes dele. Mas os filmes dele são trash e eu não queria ser classificado nesta vertente. A nossa proposta de filme é fazer o bem por meio do cinema. É essa a mensagem que a gente leva ao público.
Por que trabalha nesta vertente. É uma questão religiosa?
Eu procuro direcionar a mensagem do que a gente fazia no teatro em São Paulo. Tínhamos um grupo de humor chamado Arcanjos Marmanjos. Fizemos a peça Pai atrapalhado, filho destrambelhado. Isso acontece pelo fato de eu ter uma formação espiritualista, sei o que vim fazer aqui na terra. Tento passar uma mensagem construtiva.
O que pretende?
É uma contribuição. Queria fazer um filme de três horas. Todas as cidades-satélites. O administrador entra e vai embora. Quando o diretor de cultura sai não deixa nada. Não se tem nenhum registro. Vou fazer esse curta-metragem de 15 minutos. E a gente tenta mostrar um pouco do que fazemos. Cada um fala um pouquinho do que é, a influência, turnês no exterior, os prêmios que ganharam. Com um pouco maisw de tempoo, quero fazer um documentário maior , de duas ou três horas. Temos um cara que domina todas as fibras, arte de bolsa e cesta no capim. Não consegui colocá-lo no documentário. João de Fibra.
Os artistas do filme
ARTISTAS PLÁSTICOS
CALMIR ALBUQUERQUE
Começou a criar na pintura em tela nos anos 1990, passou a ser conhecido como artista nos anos em 1995. Faz um trabalho na linha surrealista com técnica de óleo sobre tela, acrílico sobre tela. Mas não se limita a usar os métodos tradicionais. Desenvolveu uma técnica de pintura sobre telha explorando as ondulações.
MARIO SALLUZ
Trabalha com o conceito universal dos três erres (reduzir, utilizar e reciclar). Mário Sallúz desenvolveu outro conceito: a criação da Eco tela. É uma tela que imita um tronco de árvore. Um material que tem um destino certo: O lixão. Coleta o mdf, compensado e papelão, molda com massa acrílica e tinta a obra.
DALMÁCIO LONGUINHO
Mergulhado em mais de 30 anos de pintura, o artista brasiliense Dalmácio Longuinho apresenta Brasília como um pedestre roqueiro que circula de ônibus entre o Entorno e o Plano Piloto. Seu trabalho mais conhecido é O beco do mijo, um quadro pintado nos anos 1980, que retrata uma passarela do Plano Piloto. Com requinte no traço e texturas que adensam o olhar, Dalmácio desvela uma Brasília sitiada por seus próprios nós de concretude, solidão, becos, sujicidades, que questionam a imagem da cidade monumental. A referência constante do rock’n’roll amplia a engrenagem da reflexão de sua arte.
ATORES OU ATRIZES BONEQUEIROS(AS)
MARCO AUGUSTO REZENDE
Diretor bonequeiro do grupo Cia Voar Teatro de Bonecos fundada em 2003 com o ideal de fazer crianças, adultos e idosos felizes. Residente na cidade do Gama-DF desde 2003, percorreu o país e o exterior com sua trupe.No Gama é um dos principais responsáveis pela disseminação da arte de encenação com bonecos. Mantém viva na memória do público a importância de cultuar essa arte.
DOMINGOS RODRIGO
Ator, bonequeiro, gestor cultural e professor de história da arte licenciado em artes cênicas pela UNB e com pós-graduação em Gestão Cultural pelo Faculdade Senac. Assina com o nome artístico, Dom Rodrigo Valente. Iniciou a carreira em 1994, quando trabalhou em vários grupos da cidade do Gama. Em 2002, fundou a Cia. Teatral Cidade dos Bonecos atuante até os dias de hoje. Também é gestor da Associação Cultural Sonart onde é responsável pela elaboração e coordenação de projetos culturais nas linguagens da música, artes cênicas e fotografia. Esteve na linha de frente do Festival Encontro Sonoro, Projeto Edição de Música e Mostra Itinerante Cidade dos Bonecos.
LEDA CARNEIRO
É atriz e bonequeira. Iniciou a formação em 1985 na escola Polo de Artes Cênicas, no antigo CED 02 no Gama. Participou de 13 espetáculos. Integrou Festivais, mostras e encontros de teatro em Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás. Atualmente, é gestora do Espaço Cultural Bagagem e membro do Grupo Bagagem Cia de Bonecos.
CANTORES
JAIRO MENDONÇA
Professor, residente no Gama/DF desde 1990. Cantor e compositor, desenvolve uma linha de composições construtivas, ora românticas, ora encantando e difundindo o teatro de boneco. No Gama, é um dos principais responsáveis pela disseminação do segmento.
EDU MAZURCA
Músico e compositor nascido no Gama em 1980. Há 20 anos em atividade, fundou as bandas Metrópole Zero e Cromonato, além de elaborar um projeto de registro chamado Laranja Label. Com esses trabalhos, já participou de inúmeros festivais, entre eles: Porão do Rock (DF), O Forcaos (CE), Festival Universitário (PR) E Rolla Pedra (DF).
GILMAR BATISTA
Professor de literatura portuguesa, músico e produtor cultural. Mora no Gama deste 1979. Gerente da Cia Lábios da Lua. Atua à frente da banda Ard no Gama desde 1984. Tem lançado no mercado musical: dois discos split(metade cada banda), 2 discos individuais, 1 compacto e 1 disco em homenagem à sua banda. Fez 36 shows em duas turnês na Europa em 2017, e em 2018 esteve em turnê na Suécia, Dinamarca, Finlândia, Estônia, Mongólia e Rússia. Participou de 12 CDS coletâneas e trilha sonora de um documentário sobre o grafite rodado em 15 países.
TEATRO
FERNANDO FERNANDES
Fernando Fernandes com 34 anos de carreira, mais de 40 espetáculos. É dramaturgo, ator, diretor e escritor. Recebeu seis prêmios nacionais. Produziu espetáculos de nomes consagrados como Elizabeth Savalla, Ítalo Rossi e Fernanda Montenegro. Os mais recentes trabalhos de Fernando foram O palhaço, filme de Selton Mello; A viagem de Chicó em noite de São João, de Ariano Suassuna; O milagre do santo novo, de Graça Veloso; O Menino Maluquinho, de Ziraldo; e Tropicália, onde atua e assina a direção.
Por Severino Francisco
Correio Braziliense – 26/02/2019 07:10 / atualizado em 26/02/2019 07:43